28/11/2008

OLHOS TRISTES...

O publicitário e morador de Blumenau, Rui Fontoura, de 31 anos, conseguiu expressar como ninguém as tristezas da dura realidade que muitos catarinenses estão enfrentando. Segue o emocionante relato de quem está acompanhando de perto a triste realidade pós-catástrofe climática.

Acordo e vou direto para o banheiro, como sempre. Mas é olhar para o vaso sanitário e lembrar: economia de água. Então saio da casa, vou até o banheiro que fica do lado de fora, pego um balde cheio de chuva e faço o primeiro xixi do dia. O balde é a descarga. Só então volto para o outro banheiro, e uso o mínimo de água da caixa para escovar os dentes e lavar o rosto. Banho é um luxo noturno, e aprendi que se ensaboar com o chuveiro fechado não é algo tão inconveniente.

Tomo café e saio. A empresa em que trabalho tem funcionado --parcialmente-- desde terça-feira (25). Temos filiais e clientes em todo o país, e a matriz não pode parar. O caminho que faço é sempre o mesmo, já há algum tempo. O caminho não é o mesmo desde o início dessa semana.

As ruas estão sujas. Blumenau não é assim. Em qualquer lugar que se olhe existe uma marca do castigo que foi infligido à cidade. Um muro caiu ali. Aquele barranco não era assim. Aqui tinha uma casa.

No caminho passo por uma ponte do ribeirão da Velha. É possível ver a marca do nível máximo que a água atingiu. Entulho, árvores, lixo, milhões de detritos estão presos nas bordas da ponte. Aqui o ribeirão passou por cima, ao invés de comportar-se por baixo. Ali um galpão caiu. Logo adiante, carros desviam de uma queda de barreira, máquinas tiram as árvores que caíram sobre a rua.

As vezes é preciso chacoalhar a cabeça, dar uns tapas no rosto para focar a mente. Isso não é um sonho. Isso não é um filme. Isso aconteceu, isso está acontecendo agora. Um helicóptero do Exército passa. Sei que é do Exército porque o barulho é diferente. Dezenas de helicópteros têm sobrevoado a cidade, observando a gente consegue identificar: da TV, da polícia, e os do Exército, tão silenciosos como podem ser enquanto helicópteros.

Mais adiante, mais lama. É minha segunda enchente, da outra vez aconteceu em 2001, três dias antes da Oktoberfest, e na véspera da festa a cidade já estava limpa. Agora vai demorar mais. É muita, muita lama o saldo deixado pela cheia. Chega a 40 centímetros, justamente no parque da Oktober.

Pessoas olham com o olhar morto, o olhar das pessoas não é de esperança, de confiança; ao contrário, é quase que de indiferença, uma resignação, uma conformação com o fato de que agora a energia tem que ser empregada não para evoluir, para melhorar, mas simplesmente para que as coisas voltem a ser o que eram. E todos sabem que as coisas jamais voltarão a ser como antes.

Aqui a marca da água está acima das janelas das casas. Aqui preciso desviar de um morro, que veio parar no meio da rua, com árvores, com postes, com tudo. Mais lama. Mais olhares tristes.

Durante o trabalho é possível abstrair em alguns momentos. Mas não muito. Parentes ligam, e-mails chegam dos amigos de outros lugares. Os helicópteros passam. Os caminhões do exército. Os carros cheios de doações indo para algum abrigo. No fundo você sabe que as coisas não estão normais.

Logo alguém avisa: alguma rua caiu, algum caminho recém-aberto está fechado novamente, evitem o trânsito para determinado bairro. A chuva recomeça. Você tem a sensação de que ainda vai demorar para ficar tranqüilo diante da chuva. Agora chuva dá medo.

Na hora de ir embora, começa o filme novamente.

Fonte: Folha On Line

2 comentários:

Chez POPI disse...

Chorei...
muito, muito triste...
bjus

Marta De Divitiis disse...

Terrível isso...

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